Ser uma cientista mulher é difícil, e esta é minha afirmação como uma cientista do Sul Global no século 21. Foi difícil para Mary Anning no século 19, para Marie Curie no século 20, para Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier (Prêmio Nobel de Química em 2020) no século 21. E é ainda mais difícil para nomes como Idelisa Bonnelly, Tebello Nyokong e Ester Sabino. O que os três últimos nomes têm em comum? Todas são cientistas mulheres do Sul Global.
“Sul Global” é um termo usado para denotar regiões que estão fora da Europa e da América do Norte, caracterizadas principalmente pela baixa renda e por serem politicamente ou culturalmente marginalizadas. As cientistas mencionadas acima são, respectivamente, da República Dominicana, África do Sul e Brasil. Nesses países, ser cientista já é uma luta constante, principalmente pela falta de incentivos financeiros de seus governos, ser uma mulher cientista é ainda pior por causa da misoginia, do sexismo social ainda típico dessas regiões.
Podemos afirmar com veemência que fatores como o baixo desenvolvimento econômico e a falta de medidas de igualdade são os responsáveis ??pela falta de diversidade e inclusão de gênero na sociedade e na academia. Com uma melhora em ambos os fatores, podemos esperar que mais cientistas mulheres do Sul Global estejam entre os principais autores de publicações em suas áreas.
Mas mesmo com todos os obstáculos impostos pela sua localização geográfica, essas mulheres continuaram perseguindo o sonho de deixar suas marcas neste ambiente ainda extremamente sexista. É o caso da brilhante professora Ester Sabino, da Escola de Medicina e Doenças Tropicais da Universidade de São Paulo, que em meio a uma Pandemia Global foi a responsável pelo sequenciamento do genoma do primeiro caso de Covid no Brasil em um tempo recorde de 48h.
A luta constante e dura de mulheres como a professora Ester é um exemplo extraordinário para a geração mais jovem, uma geração que agora consegue se enxergar como fortes cientistas e não apenas como princesas de um livro de contos de fadas.
Mas também precisamos entender que há um limite de quanto essas mulheres podem aguentar. O preconceito de gênero, constantemente presente no reconhecimento acadêmico e até mesmo em seus salários, tornou-se o principal fator para que muitas dessas mentes brilhantes levem suas pesquisas para o “Norte Global '', literalmente uma fuga de mentes brilhantes. Algo que tem sido observado em países como o Brasil, onde também as questões políticas e econômicas passam a ser um fator relevante, uma força negativa, forte demais para que essas mulheres mantenham suas pesquisas em seus países de origem. Isso tem acontecido principalmente entre pesquisadores jovens e consolidados, que têm a opção de deixar seu país em busca de melhores oportunidades.
Mas para todos aqueles que não têm esse luxo e na maioria das vezes sua única opção é deixar o sonho de ser um cientista para trás, algo deve ser feito, algo deve mudar. E é por isso que iniciativas como o Instituto REDI são tão importantes nos dias de hoje, para criar consciência e nos dar a esperança de mudança e um futuro melhor para todas as mulheres cientistas.
Autora
Priscila Bueno - Membra da Diretoria de Comunicação do Instituto REDI. Pesquisadora Brasileira / Italiana (BSc., MSc., Dr.), com formação em Química e Nanotecnologia. Experiência editorial de periódicos de acesso aberto em STEM.
Referências:
https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1536504212436479
https://conbio.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/conl.12797
https://exame.com/ciencia/cientistas-da-usp-sequenciam-genoma-do-coronavirus-dois-dias-apos-1o-caso/
https://bricsmagazine.com/en/articles/the-greatest-minds-of-the-developing-world