De acordo com o Censo da Educação Superior de 20191, 48,52 mil dos alunos matriculados no ensino superior naquele ano vivam com algum tipo de deficiência. Apesar do número de ingressantes com esse perfil ter aumentado em relação ao ano anterior, e quase dobrado em relação a 2009, ele ainda representa menos de 0.1% do número total de brasileiros com deficiência2. Esse cenário se torna ainda mais dramático quando entedemos que “deficiência”, para o estudo citado, engloba dificuldades de locomoção, visão, audição, fala e compreensão assim como todo o espectro de transtornos mentais e superdotação. Em outras palavras, as instituições de ensino superior brasileiras têm se mostrado, consistentemente ao longo dos anos, inacessíveis aos mais diversos perfis de alunos.
Merece atenção especial a situação dos alunos que vivem com transtornos mentais, comportamentais ou de desenvolvimento neurológico, especialmente por suas dificuldades muitas vezes serem consideradas “invisíveis”, ou não-óbvias. Dessa forma, esse público não só deve lidar com o estigma muitas vezes associado ao seu diagnóstico, e portanto, uma dificuldade maior de integração com os pares; como também com a falta de acomodações necessárias para seu sucesso acadêmico. Outro fator complicante nesse cenário é que 50% dos transtornos mentais se desenvolvem até os 24 anos, de acordo com estudo americano3, faixa etária em que muitas pessoas começam a educação superior. Logo, há grande possibilidade de que alunos com transtornos mentais demorem a receber diagnóstico e, portanto, o suporte e tratamento, se necessário, que precisam, seja pela dificuldade em diferenciar os sintomas do estresse normal desse período, seja pela inacessibilidade ao atendimento médico.
O cenário é não é tão diferente para alunos de pós-graduação. Se por um lado, eles tendem a ter um maior conhecimento da estrutura da universidade, seus recursos e acomodações disponíveis – o que inclusive pode não ser o caso para os recém-chegados de outras instituições ou outros países - por outro lado, experimentam uma demanda maior por produtividade e performance, muitas vezes condicionados ao apoio financeiro recebido. Além disso, de acordo com estudos, muitos alunos de pós-graduação reportam sentir-se isolados, pouco apoiados pelos orientadores, discriminados por suas identidades, levando à impressionante estatística de que alunos de pós-graduação têm 2.4 vezes mais chance de desenvolver transtornos mentais do que a população em geral4. Dessa forma, conclui-se que o ambiente universitário está prejudicial à saúde mental de seus estudantes.
A boa notícia é que reconhecer o problema é o primeiro passo para obter uma solução. É urgente que as universidades invistam em programas de apoio e permanência estudantil, especialmente focados em fornecer ampla e gratuita assistência médica e psicológica à sua comunidade; a ampliação de medidas de acomodação para pessoas com deficiência, inclusive relaxando a exigência de apresentação de atestado médico para ter acesso a esse recurso; a fiscalização independente de denúncias de discriminação e assédio; a realização de treinamento mandatório em boas práticas de orientação a todos os orientadores da instituição; e premiação e suporte a iniciativas que fomentem a colaboração ao invés da competitividade entre pessoas e grupos de pesquisa. Fornecer educação de qualidade a todos é uma obrigação do Estado prescrita na Constituição Brasileira e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências da ONU5. Mas, mais do que obedecer a lei, tornar a academia mais inclusiva é garantir um direito humano.
Autora
Melissa Mendes é aluna de doutorado em Física na McGill University, Canada, e primeira “Wellness Officer” na associação dos alunos de pós-graduação do departamento.
Pesquisa
Marcus Mendes é aspirante a jornalista interessado em escrever textos sobre questões sociais, cultura/entretenimento e matérias esportivas.
Referências:
1. https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados, acessado em 22 de março de 2021.
2. https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/ensino-superior/2020/10/4884255-mais-de-65-milhoes-de-universitarios-sao-de-instituicoes-particulares.html, acessado em 22 de março de 2021.
3. https://www.cambridge.org/core/journals/the-british-journal-of-psychiatry/article/adult-mental-health-disorders-and-their-age-at-onset/13F1A156235E5FF0D904F2CE2FDC053F, acessado em 22 de março de 2021.
4. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048733317300422, acessado em 22 de março de 2021.
5. https://acnudh.org/pt-br/convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia/, acessado em 22 de março de 2021.