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Os obstáculos encontrados pelas mulheres em papel de liderança

  • sexta, 01 de julho de 2022

            A equidade de gênero nas relações de trabalho ainda é um tema que caminha a passos tão curtos que chega a ser uma utopia. As mulheres correspondem a 51,8% da população brasileira (PNAD 2019) e ocupam apenas 4% dos cargos de liderança. A conquista tardia por direitos femininos é apenas uma das causas de tal realidade. No Brasil, as mulheres só conquistaram acesso à escola básica em 1927 e à universidade em 1979. O direito ao voto só veio em 1932, porém somente em 1943, as brasileiras puderam integrar o mercado de trabalho sem a autorização de um homem e desde então, homens e mulheres que exercem exatamente a mesma função, mas em inúmeros casos, recebem remuneração diferente.
 

          A presença feminina no mercado de trabalho ainda é marcada por subqualificação, subemprego, informalidade e até mesmo por uma taxa de desemprego ou desocupação maior do que para os homens – 64,7%. Outro fator relevante é a conciliação entre vida pessoal e profissional e responsabilidade exclusiva do trabalho doméstico ainda é atribuída, de modo geral somente às mulheres e isso acaba sendo refletido na sua representatividade no mercado formal de trabalho (HIRATA, 2003).

 

          As desigualdades surgem de muito além da discriminação de gênero. Elas surgem de estruturas sociais que existem muito antes do surgimento do capitalismo, exigindo assim uma abertura à discussão e implementação de políticas sociais por parte do Estado. A fim de proporcionar a busca de tal reparação social, nas últimas décadas foram desenvolvidas políticas públicas e ações da iniciativa privada com o objetivo de melhorar as condições da mulher no mercado de trabalho, incentivar a neutralidade de gênero nos processos de recrutamento, desenvolver planos de carreira e principalmente, minimizar o impacto da cultura machista no senso comum da sociedade. Atualmente, já existe um movimento das empresas em promover a equidade, inclusão e a diversidade, porém é uma ação muito pequena diante das questões culturais que enraizaram e estruturaram a desigualdade de gênero na sociedade. Para uma mudança substancial, é necessária uma intervenção política profunda que resulte numa diferente percepção do senso comum sobre a importância de uma divisão homogênea das tarefas no ambiente doméstico e do direito de acesso à alta gestão no ambiente corporativo.  

 

          A sociedade, de modo geral - homens, mulheres, representantes do poder público - ainda carrega a crença de que a mulher gera um trabalho de importância secundária mediante o trabalho do homem e essa crença acaba sendo refletida inclusive no comportamento das pessoas dentro do mercado de trabalho. Além disso, à mulher é atribuída a responsabilidade de organizar e manter o ambiente doméstico e o cuidado com os filhos, ainda que ela exerça atividade externa, culminando assim em uma dupla jornada.  A equidade de gênero tão necessária e tardia, implica numa ressignificação da divisão de papeis dentro das famílias, onde além de deveres, todos os entes tenham garantidos seus direitos. 

 

          Embora as mulheres já tenham alcançado grandes conquistas, a sociedade ainda associa à mulher a imagem de mãe, dona de cada e cuidadora (SOARES, 2010). A herança de uma sociedade patriarcal ainda tem reflexos drásticos na falta de equidade de gênero em tipos de ocupação – às mulheres ainda são atribuídas profissões de baixa produtividade, terceirizadas, tarefas relativas a limpeza, cuidados pessoais, administração domiciliar ou na área de beleza. Ainda em situações onde a mulher se faz presente num ambiente corporativo, existe a discrepância em relação à desigualdade de salários para os mesmos cargos exercidos pelos dois gêneros. 

 

          Para que este cenário tenha avanços suficientes, e não tenha retrocessos e para uma efetiva reparação se faz necessária uma mudança de cultura. Além de todos os fatores elencados, ainda existe o fato de que as mulheres, em geral, são portadoras de um grau de escolaridade maior que os homens. Conforme dados da RAIS (2019), dentre os trabalhadores de emprego formal, 30% (trinta por cento) das mulheres possuem nível de escolaridade superior e 24% (vinte e quatro por cento) tem nível de pós-graduação, mas ainda assim, os homens recebem salários 52% (cinquenta e dois por cento) maiores do que as mulheres e apenas 27% (vinte e sete por cento) delas ocupa algum cargo de gestão. 

 

          Outro fator de grande relevância é a evasão de mulheres do mercado a partir do momento que se tornam mães. De acordo com CATHO (2019), um terço de todas as mulheres que dão à luz - ou adotam um filho -  deixa o mercado de trabalho, enquanto apenas 7% (sete por cento) dos homens toma a mesma decisão e a própria licença maternidade, ou paternidade é um exemplo prático do abismo que existe para o senso do comum do papel da mãe ou do pai nos cuidados e na educação de uma criança e essa prática reforça ainda mais a dependência financeira daquela mulher que executa um planejamento familiar, enquanto muitas mães chefes de família acabam dependendo exclusivamente da assistência de políticas públicas. Com o intuito de disseminar tal discrepância, alguns países como a Suécia, desde 1974 regulamenta uma licença remunerada para ambos os pais. São 180 (cento e oitenta dias) que podem ser divididos entre pai e mãe, porém desde 1995 os pais tem a obrigatoriedade legal de gozar de 90 (noventa) dias de licença. No Japão e na Coreia são 52 (cinquenta e duas) semanas de licença parcialmente remunerada FORBES (2015). 

 

          A própria legislação brasileira assegura a igualdade de direitos entre homens e mulheres, proibindo a desigualdade salarial, embora só tenha sido efetivada no Brasil com a constituição de 1.988. A proteção às gestantes e lactantes é outro exemplo de um desses artifícios legais. Conforme os termos da CLT, a partir de 1989, a mulher poderia trabalhar sem a intervenção do marido e a regulamentação do trabalho feminino surgiu no intuito de evitar a discriminação da mulher no mercado de trabalho, inclusive proteger a gestante até o quinto mês após o parto. Seja por reação a pressão de organismos internacionais, pela pressão dos movimentos feministas, ou até mesmo com o intuito de uma reparação social, a legislação brasileira foi articulada para tratar o trabalho feminino com legítima relevância.

 

          Embora, de modo geral, as mulheres sejam tratadas pelos seus empregadores dentro da força da lei, a questão da cultura patriarcal ainda é fortemente enraizada e gera o chamado fenômeno “teto de vidro”. O referido fenômeno começou a ser discutido em 1987 nos Estados Unidos e consiste no reconhecimento da existência de uma barreira invisível que impede as mulheres de galgarem cargos de liderança e a ascensão de carreira nas instituições onde trabalham em consideração apenas a seu gênero e tratando de forma irrelevante suas competências para tal (MADALOZZO, 2011). 

 

          A fim de combater essa barreira invisível, mas indiscutivelmente presente no mercado de trabalho é que algumas empresas, ainda em número pequeno e em velocidade muito lenta, criam programas com o objetivo de desenvolver ações efetivas para a melhoria da qualidade de vida laboral da mulher e o combate à desigualdade de gênero no trabalho. Assim, se faz necessário que todo e qualquer cidadão não somente não participe ou incentive a desigualdade de gênero no mercado de trabalho, mas que efetivamente combata e exerça boas práticas em busca da equidade.  

 

 

Autora Fernanda Alves

Diretora de Governança do Instituto REDI. É Pós-graduada em Marketing. Graduada em Licenciatura Plena - Letras (Português/Inglês). Especialista em vendas para o Governo e consultora comercial para educação pública.

 

 

REFERÊNCIAS

 

CATHO. Disponível em www.catho.com.br. Acesso em Março 2022.  

FORBES. Disponível em www.forbes.com.br. Acesso em Mar 2022. 

HIRATA, Helena. Crise Mundial e o impacto da reestruturação produtiva na divisão sexual do trabalho. In: Divisão sexual do trabalho, estado e crise do capitalismo. Recife: SOS Corpo – Instituto Feminino pela Democracia, 2010.

MADALOZZO, Regina. CEOs e composição do conselho de administração: a falta de identificação pode ser motivo para existência de teto de vidro para mulheres no Brasil? In: Revista de Administração Contemporânea – RAC, Curitiba, v.15, n. 1, art. 7, p. 126-137, jan/fev, 2011.

PNAD – PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS. Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=destaques. Consulta em Mar 2022. 

RAIS - RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS. Disponível em: http://www.rais.gov.br/sitio/index.jsf. Consulta em Mar 2022. 

SOARES, Vera. Apresentação. In: COSTA, Albertina et al. (Orgs.). Divisão sexual do trabalho, estado e crise do capitalismo. Recife: SOS Corpo – Instituto Feminino pela Democracia, 2010.