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Inclusão de gênero na academia: onde estão as pessoas transexuais, transgênero e travestis?

  • quarta, 05 de outubro de 2022

As discussões sobre a inclusão de gênero na academia estão cada vez mais aquecidas. A busca pela quebra dos estereótipos que permeiam a produção de conhecimentos é pauta constante na nossa sociedade. Dentro deste tema tão amplo, as pessoas transexuais (que não se identificam com o sexo biológico com o qual nasceram), transgênero (cujas identidades de gênero diferem em diversos graus dos sexos biológicos) e travestis (pessoas que foram designadas homens no nascimento, mas se entendem como figuras femininas) são vítimas de violência diária em nosso país e enfrentam desafios particulares:

 

  • Apenas em 2019, a transexualidade e a travestilidade deixaram de ser consideradas patologias pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

 

  • Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), cerca de 70% das pessoas trans não concluíram o ensino médio e apenas 0,02% acessam o ensino superior.

 

  • Segundo um estudo de 2020 da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), 11 das 69 universidades federais do país trabalham com algum tipo de cota para pessoas trans, o que equivale a 15% das instituições.

 

Para falar sobre esse cenário, o Instituto REDI entrevistou a professora Daniela Mourão, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Atuando no Departamento de Matemática do campus de Caratinguetá, a professora é representante e ativista dos direitos das pessoas transexuais no universo acadêmico.


 

Instituto REDI: Quais são os principais conceitos que envolvem a comunidade LGBTQI+?

 

Profa. Daniela: Primeiro, a gente precisa entender que quando a gente nasce, nosso primeiro atributo é a designação sexual, e esse atributo vem por aspectos morfológicos, apesar de existir outros aspectos que podem ser considerados. O que é importante frisar é que você nunca vai conseguir colocar todas as pessoas em caixinhas, como é caso da população intersexo. Quando a gente vai para aspectos sociais e para aspectos psicológicos para estabelecer a identidade de gênero com a qual ‘eu me identifico’ a coisa fica mais diversa ainda, fica até pessoal, porque é no campo de ‘como eu me reconheço’ e ‘como eu sou reconhecida’ é que vai ocorrer a identidade de gênero, do comportamento, de como a pessoa se apresenta. (...) e aí sim é que vamos ter o que a gente caracteriza como orientação sexual, onde nós vamos ter as pessoas homossexuais, bissexuais, heterossexuais, assexuais, pansexuais... e a diversidade está presente em todas as nossas vivências.


 

Instituto REDI: Como você percebe o processo de retirada da transexualidade da lista de patologias pela OMS?

 

Profa. Daniela: Por volta de 2014 e 2015, a OMS resolveu fazer um estudo sobre a patologização da transexualidade, porque ela já havia retirado a transexualidade da lista de doenças na década de 90 e, mesmo assim, ela continuou sendo criminalizada em pelo menos 70 países. Lembrando também que os tratamentos de reversão eram feitos de forma muito violenta. Inclusive, alguns conselhos no Brasil, como o de Psicologia, proíbem esses tipos de tratamento. Daí, em 2014, foi iniciado um estudo com cerca de 350, 400 pacientes. Foi um estudo multidisciplinar e foi descoberto que não tem razão para a transexualidade ser considerada doença. Todas as comorbidades associadas à transexualidade são por questões sociais, culturais, pressão familiar, por dificuldades de acesso a serviços e por violência. (...) Só que essas pessoas precisam de intervenção médica, precisam de terapia, de fazer cirurgia. Então, não podemos tirar o acesso das pessoas trans a esses serviços. A OMS deixa claro na CID (Classificação Internacional de Doenças) que quando a pessoa precisar de intervenção médica ou outras condições de saúde elas serão atendidas, mas isso não quer dizer que a transexualidade é doença.


 

Instituto REDI: Qual é a sua visão sobre o acesso, manutenção e desenvolvimento de pesquisadores e pesquisadoras transexuais no universo acadêmico?

 

Profa. Daniela: As pessoas transexuais são expulsas de casa muito jovens... são pessoas que a mãe pagou para bater, para espancar... são pessoas que ficam às vezes acorrentadas ou sofrem estupros coletivos. Enfim, essas pessoas acabam indo embora de casa com 11, 12 anos, e a exclusão do mercado de trabalho também é muito grande. Os currículos de pessoas trans são rasgados! Eu conheço uma pessoa que deixou seu currículo em uma empresa e, ao invés de conseguir a vaga, recebeu uma proposta de programa. Acaba sendo uma vida muito difícil, uma vida de exclusão. As pessoas trans nem sonham com universidade, elas têm que sobreviver numa condição de exclusão. Aí, você tem o aspecto da escola. Apesar de vários avanços, a transexualidade é vista como uma forma de ridicularizar, de fazer piada, uma forma de você xingar a pessoa. Também temos a questão do não apoio institucional: hoje é lei o nome social, mas a gente tem vários casos de diretores que não deixam os nomes sociais serem usados, de matrículas que foram recusadas. Então você tem a violência por parte dos pais, você tem a violência institucional e o resultado obviamente é a evasão escolar. Muitas ainda são expulsas da escola! A gente tem que começar a mudar esse panorama! Temos exemplos muito bacanas de escolas inclusivas... mas, infelizmente, essa não é a realidade.


 

Instituto REDI: Por que precisamos da diversidade de gênero na academia – principalmente no universo STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática)?

 

Profa. Daniela: A diversidade oxigena o ambiente, você torna o ambiente mais saudável, menos padronizado, você estimula a inclusão, a não discriminação, você estimula o respeito pelas diferenças e, também, em termos de produtividade, em termos de criação, você estimula essas novas ideias, as novas visões e as novas perspectivas. Isso é uma coisa que as empresas descobriram e a universidade também está descobrindo.

 

Entrevista mediada e escrita por: DILIAN CAIAFA

 

Veja a entrevista na íntegra aqui.