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  • Caderno REDI

A diversidade como ato de descolonização do conhecimento

  • terça, 20 de dezembro de 2022

Primeiro vieram as marias

 

A colonização europeia teve início no século XV e perdurou até meados do século XIX, se alastrando pelos continentes americano, asiático, africano e Oceania. Durante todo esse período, as terras invadidas pelo povo europeu foram saqueadas, os povos que ali moravam foram exterminados em processo de genocídio e muitos foram quase exterminados por completo, a exemplo dos aborígines na Austrália, Apaches na América do Norte e Incas e Astecas na América Latina. E no Brasil temos como exemplo os povos originários que moravam próximo do litoral, como os guarani e os tupinambás. Desde então, a história é contada pela ótica ocidental, europeia, norte-americana.

 

Com certeza, muitos já ouviram as frases, “conhecimento é poder” e “a história é contada pelos vencedores”. Justamente por isso, foi importante para as nações responsáveis pelo neo/colonialismo no mundo ter em suas mãos a narrativa da sua ótica da verdade. Assim, temos hoje (as falácias): um homem que viveu no oriente médio representado por uma figura branca, loira, com olhos azuis; uma princesa portuguesa muito bondosa e caridosa que decretou o fim da escravidão no Brasil; os EUA que invadiram o Oriente Médio em missão de paz, contra o terrorismo e a meritocracia é real.

 

Faz parte da lógica colonial tirar do povo colonizado as características que os tornam indivíduos, diferentes entre si e dos invasores, e torná-los uma grande massa, única, maciça, infeliz e indigna. Nesse contexto, a fé, o saber ancestral, a visão e o comportamento não cristão são uma ameaça e devem ser retirados, expurgados, demonizados e proibidos, de maneira a fazer o povo saqueado, questionar sua existência, levando-os finalmente ao esvaziamento.

 

Depois desse ponto, eles estarão prontos para servir, ter como ponto de partida e chegada aquele imposto, de maneira a não questionar o fato de que nunca partiram do mesmo lugar ou chegaram à linha de chegada, pois essa será sempre inalcançável. A partir do momento que o sistema impõe a todos a mesma régua, joga as diferenças na lata de lixo, ele conscientemente mata muitos. E este é o modus operandi das relações entre nações, das relações de parte da população brasileira com grupos minoritários, oriente e ocidente, sul e norte global, até o presente.

 

Colonialismo: “Doutrina ou atitude favorável à colonização ou à manutenção de colônias''.

 

"Colonialismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/colonialismo

 

Colonilidade: “é entendida como uma dimensão simbólica do colonialismo que mantém as relações de poder que se desprenderam da prática e dos discursos sustentados pelos colonizadores para manter a exploração dos povos colonizados” Tonial et al. (2017)

 

Agora é a vez dos estranhos de pele parda/escura

 

Em um mundo cujo passado e presente, busca de todas as maneiras apagar qualquer traço de pensamento dissonante, dos chamados países desenvolvidos, não é de se surpreender que até mesmo quando nossos objetivos são lutar contra o genocídio do povo negro, indígena, pobre e LGBTQIA+ no país, contra o apagamento da história negra/indígena e do protagonismo feminino, as referências são do norte global e muitas vezes branca. E quando falamos de Brasil, país da falsa democracia racial, essa referência é puramente branca, acadêmica e em suma maioria sudestina/sulista.

 

Visando quebrar esse padrão, a teoria Queer of Color procura em autores de origem latina, não branca, seu ponto de encontro, pois as questões que atravessam as pessoas Queer brancas, não são as mesma das do sul global não branca, pois enquanto o homem gay branco, de classe média, comemora a possibilidade de poder casar e constituir família (algo que sim deve ser comemorado), o Queer não branco questiona, como fica as outras construções de família, aquelas formadas, por exemplo, por pessoas cujo relacionamento não é amoroso, ou não se identificam dentro dos padrões binários existentes atualmente. Essa teoria busca também, enxergar gênero e sexualidade, para além do binarismo, da lógica judaico/cristão, e a partir da visão dos povos originários, que entendem a diversidade na existência do ser, catalogando mais de 25 tipos de gêneros diferentes em sua comunidade.

 

[...] assumir-se como dois espíritos não apenas foca no papel espiritual da pessoa - e não em suas práticas sexuais - como também significa uma crítica ao processo de colonização: parte considerável dos escritos produzidos por autores e ativistas two-spirit se assenta na análise e crítica aos processos de colonização que os estigmatizaram. Assim, o movimento organizou-se a partir de uma crítica ao aparato colonial moldada desde uma identidade pan-indígena e amparada por um discurso espiritual (Fernandes, 2017a:100).

 

A teoria busca dentro de sua singularidade trazer significado ao Queer e impactar da mesma maneira quando a expressão é verbalizada para uma pessoa de país de língua inglesa - tarefa difícil, pois estranho não é algo que choca, diferente de “viado” quando falamos de Brasil, mas Queer é um termo mais amplo que abrange toda e qualquer dissonância da heterocisnormatividade e/ou binarismos, e Queer of Color vai além das questões de gênero e sexualidade, engloba bem estar social, direito de existir e ser, segurança alimentar e financeira, acessos e garantia de vida.

 

O retorno ao conhecimento e intelectualidade latino-americana para lidar com os porquês que nos atravessa é imprescindível para desfazer o nó colonial. Nossa realidade é única, a identidade latina é única e passou da hora de sermos os narradores de nossa própria história, contada a partir da nossa ótica. Passou da hora de aprender sobre o mundo além do território do invasor, conhecer nossos vizinhos, de fronteira, saber realmente a história da África, para antes e depois do saque feito pelos saqueadores.

 

Precisamos reconhecer – escreve Yuderkys – que muito cedo, no feminismo latino-americano destacou-se parte das preocupações enunciadas pelas feministas não brancas e lésbicas articuladas nos Estados Unidos. As denúncias dos privilégios das mulheres brancas de classe média e heterossexuais foram formuladas, intermitentemente, a partir da metade dos anos 1980, pelo feminismo latino-americano e caribenho comprometido com os setores populares (Miñoso, 2015:32).

 

Escrito por Willian de Almeida, formado em Gestão de Tecnologia da Informação e é graduando em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, pela Universidade Estadual Paulista. É pesquisador em formação.

 

 

REFERÊNCIAS

 

MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. El futuro ya fue: una critica a la idea del progreso en las narrativas de liberación sexo-genérica y queer identitarias en Abya Yala. In: FERRERA-BAANQUET, Raúl Moarquech. Andar Erótico Decolonial. Buenos Aires, Ediciones del Signo, 2015, pp.21-35.

 

FERNANDES, Estevão. Ativismo homossexual indígena: Uma análise comparativa entre Brasil e América do Norte. Dados. Revista de Ciências Sociais, vol. 58, no 1, Rio de Janeiro, 2015, pp.257-294.

 

REA, Caterina Alessandra et al. Descolonizar a sexualidade: teoria queer of colour e trânsitos para o sul. Cadernos Pagu, São Francisco do Conde, v. , n. 53, p. 1-38, 4 out. 2018. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/18094449201800530015.

 

TONIAL, Felipe Augusto Leques et al. A resistência à colonialidade: definições e fronteiras. Revista de Psicologia da Unesp, Assis, v. 1, n. 16, p. 18-26, nov. 2017.